domingo, maio 16, 2010

OS MARES DO SUL


BOLERO



que vaidade imaginar
que posso dar-te tudo, amor e fortuna,
itinerários, música, brinquedos.
É verdade que é assim:
dou-te tudo o que é meu, é verdade,
mas tudo o que é meu não te basta,
como a mim não me basta que me dês
tudo o que é teu.


Por isso nunca seremos
o casal perfeito, o bilhete postal,
se não formos capazes de aceitar
que só na aritmética
o dois nasce do um mais um


Um papelito por aí
diz simplesmente:


Foste sempre o meu espelho,
quer dizer, para me ver tinha que olhar-te.


E este fragmento:


A lenta máquina do desamor
a engrenagem do refluxo
os corpos que deixam as almofadas
os lençóis os beijos

E de pé frente ao espeho interrogando-se
cada um a si mesmo
já não olhando-se entre si
já não nus um para o outro
já não te amo
meu amor



Julio Cortazar