quinta-feira, junho 29, 2006

Era Setembro


De tarde, na varanda, as mulheres lá de casa desdobravam lentamente o tempo, costuravam as palavras, rematavam com o olhar o que não se dizia, sombra e mistérios, o cheiro da compota ao lume, canela e casca de limão, sorrisos e alguns suspiros. Havia livros enormes, receitas e romances poibidos, era Setembro e o ar amadurecia com as romãs.

Do quintal chegava o cheiro da uva pisada, da terra que paria os últimos frutos, as vozes cruas dos homens, o espaço entre as palavras afiado e definitivo, vermelho e negro. Uma indefinível sensação de sangue derramado, como se amortalhassem a terra, um sacrifício necessário feito a ferro nu. Matamos-te para que renasças, uma alquimia de dor e ternura rude.

Desse tempo de matanças não recordo alegrias nem tristezas. É alguma coisa que está para além do que se possa sentir, que vem do fundo da terra o do ar. Uma pulsação contida, expectante, a preparação dos milagres, que estavam para vir.

Talvez com os anjos, que cruzavam rápidos o céu mesmo antes da noite chegar.