domingo, março 19, 2006

Chove no Porto


Chove no Porto.
Ando no meio desta cidade-rio, feita de granito e água, algas, flores, e gaivotas, nado pela Boavista acima, alma de homem-peixe. Nas margens correm jardins, palácios, castelos, o quadriculado das janelas esconde o cheiro de salas antigas feitas de cheiro a madeira e alfazema, lençóis de linho, vozes rugosas, densas, animais. Há varandas com trepadeiras, jardins escondidos, a ondulação de um poema sussurrado, histórias sanguineas de paixão, a geografia do destino, ou do acaso, vá-se lá saber.

Sempre gostei do Porto, que na verdade não conheço bem. É um aperto no peito de encontro à rocha, que logo voa, um sentimento que ao percorrer a cidade percorro também recantos desconhecidos de mim, coisas de sangue, maravilhas que me arrebatam para além do corpo.

Trazemos cidades dentro de nós, li há pouco tempo. Cidades por nós imaginadas e criadas, praças, avenidas, a luz ao entardecer, ruídos, sombras, gente. O castelo real, museus, faróis, o bairro dos pescadores, jacarandás e acácias, as margens fervilhantes do rio, barcos, o nosso corpo no limite da pele. Cidades intimas que desvendamos em cada uma que visitamos, como um foco de luz que ilumina recantos de alma escondidos.

Mas no Porto desvendo a densidade das minhas sombras, o meu rio subterrâneo, a minha alma de homem-peixe, coisas de sangue que se dizem à noite, maravilhas indizíveis, flores de pedra, gaivotas, cheiro a madeira, o linho sobre a pele, fogo e palavras ditas em silêncio.