quinta-feira, abril 27, 2006

A seda do teu olhar - 4



Na cidade de pontes e árvores é quase Dezembro.

A bruma nasce cinzenta cada dia nos parques, ainda antes do sol. Cresce primogénita e reclama as ruas, os espaços entre as árvores, debaixo das pontes, no mercado de Domingo junto ao rio. Apenas interrompida pela cor das flores, pinceladas em preparações festivas e no riso das crianças. A cidade das pontes e árvores vestiu-se em longos casacos de lã e passeia de bicicleta nos jardins, com elegantes árvores despidas, ordenadas em bosques.

Chegou pelo rio, primeiro um cheiro a esteva brava e seda. Logo após um vento morno, quase líquido, nuvem de calor derretendo-se na bruma.

Vislumbrou-se depois rente à água, vogando à deriva contra a corrente.
A ilha subia o rio até à cidade.
Como um navio de areia nadava, silenciosamente, braços derretendo o gelo. Um estranho navio com um farol por mastro, feito de praias, ondas e mar. Feito de pele, cabelos e sangue, olhos e pedras. Com velas de gaze e sol.

Parou no cais junto ao mercado e deitou-se no próprio rio. Estendeu até à margem uma mão onde se viam nitidamente dourados fios. Dedos que procuraram outros dedos pelas margens, ruas e casas, por entre os longos casacos de lã, as árvores e as pontes.

Ninguém no mercado a viu subir por esses dedos, despindo o casaco, depois pela mão, peça, por peça toda a sua roupa, pelo braço até se entender nua, olhando o céu, na praia do meu peito.