terça-feira, abril 04, 2006

DNA


“Vamos até à praia?” Perguntou. “É o que mais desejo.”
Fomos.
Não era dia nem noite, uma hora perdida de outras horas. Um tempo a descompasso, urgente, como os figos que se colhem de manhã. Como o ruído do ar nos cabelos ou o olhar sem palavras, completo, que enche o peito. O silêncio com que se cumprem as promessas do coração.

A areia estava fria e o ar quente. Caminhámos pela falésia com a certeza dos animais, éramos gente que descia até ao mar naquela hora perdida das outras. Não sei bem porquê, talvez dos meus olhos, talvez do ruído da areia debaixo dos pés, do cheiro vegetal que chegava de terra, do estar nesse tempo roubado, do som repentino dos risos junto ao mar, talvez disso, de nos sentarmos debaixo da lã agasalhados no próprio corpo, talvez, sim, mas lembro-me bem, não imaginei.

As palavras rebentavam na praia, uma a uma, límpidas. Em espuma feita de cor, estrelas, luas, cavaleiros e princesas. As palavras eram a luz dessa hora. Mas não eram como as palavras normais, daquelas que dizemos para pedir um café, para dizer boa noite, bom dia, então. As palavras eram luzes, fosforescências na espuma dessa hora, iluminavam o cabelo como pirilampos, o sorriso, o vento nos cabelos, o ruído da areia.

O ar estava quente e a areia fria.
Sei que te levei à praia nessa hora, que te fizeste a luz da espuma como eu também antes me tinha sentido luz. Que riste nesse teu tempo de quase-já-não-criança à beira mar, que trazes em ti o poder de transformar a espuma em estrelas, de iluminar os cabelos como pirilampos. De deixar chegar a noite sem medo. Mesmo quando eu já for uma das estrelas que iluminas com as tuas palavras.

E promete-me.
Leva-me então ao mar, nesse tempo nem dia nem noite. Serei estrela ou sol. Serei de novo, onda após onda, no ruído da areia, no voo repentino ou calmo das gaivotas. Em todas as horas em que hei-de reclamar as que não vivi nesse mar.