sábado, setembro 23, 2006

Chego devagar


Chego devagar.
A um ar por tempos esquecido, que guarda entre as partículas um cheiro a café, a jacarandás, a manhãs luminosas, a neve improvável. . É como o arrepio de pisar a primeira areia do dia, o soalho da casa de granito, correr os dedos pelo piano da sala, afastar as cortinas, abrir a janela. Olhar em volta e redescobrir os retratos, os recados, os lençóis, os gestos suspensos.
Não temos mais começos, provavelmente acumulamos passados, memórias, uma teia que pode ser um tapete colorido, um rasgão na pele, fotografias e cadernos de viagem. Mas chegar é sempre como a benesse do primeiro sol, um livro por estrear, o descobrimento da pele.
Chego devagar, por isso. Em Setembro, quando a terra mostra a carne húmida, há vozes e fumo, o encurtar das tardes. Quero prolongar este momento, concentrar toda a densidade no fundo do peito como uma faca, um arrepio, uma carícia. O que trago fica para mais tarde, quando nos sentarmos debaixo da nogueira do jardim e bebermos vinho.