sábado, julho 24, 2010

A história da morte



No princípio todas as criaturas
tinham presença incorpórea
na mente de alguém, até mesmo tu e eu;
aparência, espectro, ilusão, um peito
que se pudesse acariciar,
não existiam.


O coração não tinha forma,
o nariz era ar, as mãos coisas.
Tu e eu estávamos sós
na infinita solidão de Deus.


Como num sonho,
estávamos suspensos num desejo.
Mas alguém disse:
"Faça-se luz" -
E a luz fez-se.
E tu apareceste.


Então, o meu corpo
pousou sobre o teu
e começou a história da morte.
Homero Aridjis

segunda-feira, julho 12, 2010

Noli me tangere




A minha pele tem umma insónia longa.
Adormeço perdido do corpo, que demoro a encontrar, de manhã.

domingo, julho 11, 2010

A PRAIA







Hoje desembarquei aqui.
Todo o céu saía pelas janelas da casa do promontório, e ia enchendo o espaço entre as coisas até ser tudo feito de luz, mesmo a noite. E a casa saía de dentro dos olhos que eram terra e mar, azul e castanho, vento e cal, e ia crescendo pedra após pedra, e dentro dela nascia um barco com velas de ouro. E de dentro desse barco saíam pássaros falantes e princesas sábias que embalavam sultões e ligavam as noites umas às outras até à eternidade.
Como trazer um coração que só se satisfaz com marés?
Estranha e dolorosa vaidade, que me faz percorrer a fronteira das águas, recolher pedras, conchas, flores magnificamente assassinadas, com o silêncio guardado no fundo da minha mão, como um veneno.