quarta-feira, setembro 26, 2007

Fim de tarde


Ontem fui abraçado pelo mar.
Não foi o acaso ou a surpresa, marcámos encontro e ninguém faltou, acredito ou quero acreditar que era para mim que guardava essa ternura de sal. Esse calor rugoso e carnal. Os dois nesse momento íntimo à vista de todos, como o beijo dos amantes no meio da multidão.
Aprendemos a viver de muitas maneiras, até entre as fissuras da parede. Mas o meu mundo tem silêncio e música, palavras e pele, estrelas e caminhos. Casas abraçadas no regaço de promontórios, a lua que espreita transparente antes de tempo, promessas e sinais. O doce sabor do vinho no sorriso dos amigos. O cheiro das primeiras chuvas, o cheiro do primeiro sol. O indizível de um beijo, o brilho dourado e breve do olhar.

quarta-feira, setembro 12, 2007

Choveu ontem


Choveu ontem à noite.

Uma chuva repentina e feroz, como um animal selvagem a percorrer o ar, respirando liberdade a coberto do dilúvio, invisível. O galope da água que grita, invade a terra, pegadas no ar em reboliço, indícios, inícios.

Fui apanhado de surpresa pela emoção, pelo espanto sem nome nem forma. E de repente tudo transborda nas margens desse rio, as árvores, o voo das gaivotas, o ritmo lento das estrelas, os gatos enroscados na lã da sala.

O tempo das romãs anuncia-se. Chega brusco, nocturno, duma ternura incontida. Como os primeiros gestos dos amantes.